terça-feira, 4 de junho de 2024

Entrevista - Hardgainer: resistência e diversidade no metal extremo

Hardgainer (Fabrício, Jobam, Patrick, Ellen e Raul). Foto: Yasmin Balbino (@yasminbalbino.ph) 

Em mais uma entrevista realizada pela página Metaleiras Negras, vamos conhecer a banda Hardgainer, que conta com Ellen Tavares na bateria, Fabrício Amaro no baixo, Patrick Marçal no vocal e Jobam Martins e Raul Caldeira nas guitarras.


Respostas por Raul Caldeira.

1. A banda surgiu em 2008, o primeiro EP Hardgainer foi lançado em 2016 e o álbum Invisible Walls foi lançado em 2019. O que mudou de lá pra cá?

Em 2008 eu tinha 18 anos, nessa época eu conhecia o Jobam há apenas um ano, ele já era músico e um puta guitarrista, e eu um moleque que queria um dia ser músico (até hoje não consegui rsrs). O início da nossa amizade, além de muitas conversas filosóficas, na maioria das vezes era ele me dando toques sobre guitarra. Com o tempo eu fui mandando músicas que fazia para ele me dizer o que achava, e assim, sem querer, as primeiras músicas da Hardgainer foram surgindo. Conforme o tempo passou eu o convenci a fazer um projeto comigo em que gravaríamos músicas minhas e dele, sem pretensão nenhuma, apenas gravaríamos e lançaríamos na internet, mas por falta de grana a ideia esfriou e ficamos apenas compondo e guardando músicas.

Em 2015 o Jobam começou a mexer com produção, comprou uma interface de áudio e me incentivou a colocar a ideia anterior em prática. E foi o que aconteceu, corri atrás de integrantes que topassem apenas gravar sem compromisso. Selecionei algumas músicas que estavam na gaveta, convidei a Mylena Monaco (Sinaya) para gravar os vocais, o Jobam gravou o baixo, e a bateria foi pura tecnologia. Então em 2016 a ideia ainda era ser um projeto de internet.

Em 2019 foi quando tudo mudou, realmente tínhamos integrantes com a gente e a banda foi se tornando algo mais sólido: queríamos lançar um trabalho maior, fazer shows e tudo mais. Nesse intervalo de tempo encontramos um vocalista fixo (Patrick Marçal), um baixista com sangue no olho (Fabrício Amaro) e um baterista raivoso (Zazá Chagas). Eu e o Jobam ainda tínhamos muitas músicas guardadas que gostaríamos de lançar, então trabalhamos nelas e lançamos, mas agora dividindo o sonho com a galera. Destaque para o Patrick, que manja muito de produção e fez milagre com nossas gravações na época.

Então, o que mudou de lá pra cá foi que antes a Hardgainer era algo que fazíamos despretensiosamente por pura vontade de fazer música pesadausando o pouco que tínhamos em mãos, sem grande pretensões. Hoje se tornou algo que acreditamos muito... Algo que mantem o sonho vivo de, quem sabe um dia, podermos nos dedicar 100% à banda (somos todos da classe trabalhadora, então não é fácil).


2. Vocês podem falar um pouco das barreiras sociais, dos muros invisíveis na sociedade e de que forma isso influenciou o álbum Invisible Walls?

Outra coisa que mudou de 2008 pra hoje, foi que no início as letras eram bem mais introspectivas e pessoais. 10 anos depois muita coisa aconteceu, ideias amadureceram e naturalmente mensagens mais politizadas vieram surgindo na lírica das músicas.

O tema “Invisibel Walls” foi criado como uma provocação ao conceito capitalista liberal “Mão Invisível do Mercado”. Com todas essas ideias que endeusam o mercado, capital, meritocracia, “trabalhe enquanto eles dormem” (entre outras), sendo cada vez mais disseminadas, eu quis ir contra tudo isso, dizendo que após todos esses anos não percebemos autorregulação alguma, como a proposta por Adam Smith. Ou seja, em vez de uma “Mão Invisível” que “organiza” tudo, o que é percebido (e só não percebe quem não quer), são “Paredes Invisíveis criadas pelo próprio sistema.

Sendo assim, o tema central do álbum eu diria que é “Consciência de Classe”. Com as letras das músicas eu tentei trazer luz, apontar e questionar as barreiras sociais que muitos de nós enfrentamos. Então temos músicas que falam sobre desigualdade, racismo, sexismo, fanatismo religioso etc.

3. Estão trabalhando em um novo material?

Falta dinheiro, mas sobra ideia e vontade de lançar coisas novas e bem agressivas. No momento estamos organizando material já criado para apresentar para a banda e trabalharmos em cima juntos. O plano é reunir as melhores coisas, gravar e lançar um EP no ano que vem.


4. Como é a cena rock/metal em São Paulo? Em quais eventos vocês já tocaram?

Tem até que bastante casa, bastante banda, tem as panelas, tem a galera mais aberta... E tudo isso num lugar em que os rolês de bandas cover imperam. Então acho bem interessante, pois é legal ver que ainda tem gente disposta a fazer o próprio som, e lugares dispostos a receber essa galera. Nada disso torna as coisas mais fáceis, mas é bom saber que não estamos sozinhos e que o underground segue respirando.

Em todo esse contexto já tocamos em casas de show de todas as regiões da cidade e às vezes tocamos até na rua mesmo, sem crise. É difícil agora listar todas, mas quero destacar um dos nossos últimos shows que rolou no Estúdio Depois do Fim do Mundo, um evento chamado Help Fest realizado para arrecadar doações para as vítimas das enchentes do Rio Grande do Sul. Foi um rolê bem legal, com bandas boas e um público muito foda.


Hardgainer. Foto: Yasmin Balbino (@yasminbalbino.ph)

5. Quais são as referências da banda? E as referências negras?

A banda é bem diversa nos gostos e influências, então vou falar por mim. A estética do som acredito que seja uma soma de tudo que ouvi desde que descobri que gosto de música. Então tem coisas ali que passam por Pink Floyd, Iron Maiden, Megadeth, Kreator, Napalm Death, CarcassCannibal Corpse, Sepultura, Sarcófago, até Angra.... Muita coisa.

Mas intenção, e tentativa, era seguir a estética sonora de bandas que ouvi muito no final da minha adolescência, como As Blood Runs Black, As i Lay DyingAll That Remains, Suicide Silence, Lamb Of God, In FlamesSoilwork etc... Essa onda de um metal com bastante influência do Hardcore, menos “True”, mais moderno e mais aberto a novas ideias (às vezes, né? Rsrs).

Para as letras, eu sempre curti os temas abordados pelo Ratos de Porão, e sentia também que o Rap vinha fazendo um papel que o metal quase nunca fez, abordando temas que considero importantes e necessários. Então eu tentei, por influência de alguns mestres do Rap nacional, trazer um pouco daquilo que eu ouvia e me emocionava muito. Esses mestres foram Sabotage, Racionais, Facção Central, Criolo e por aí vai.

Sobre minhas referências negras (vou me restringir a guitarristas para ser mais breve), não posso deixar de citar o grandessíssimo Hendrix e também Vernon Reid, Greg Howe e Tony McAlpine. Crescer vendo esses caras tocando, me ensinou que o mundo da guitarra não é tão branco quanto o mainstream quer que se pareça... E claro, Jobam, né? Admirar uma pessoa como musicista e ter essa pessoa tocando em uma banda com você é muito foda. Sou fã de todos meus camaradas de banda.


6. Quais são os projetos dos integrantes da Hardgainer?

O pessoal da Hardgainer é bem ocupado. Eu sou o único que não tem outros projetos. Mas vamos lá: O Jobam, além de acompanhar músicos tocando diversos estilos, tem um trampo solo de guitarra instrumental, é também guitarrista da banda estadunidense Cline's Mind e em breve vai montar um projeto para tocar as músicas do pai dele, o falecido Maestro Jobam. O Patrick tem um projeto de techdeath, em que ele produz, toca e canta tudo que dá, chamado Noldor, e recentemente assumiu como guitarrista da Nephall. O Fabrício é baixista na Indaíz, banda de reggae bem dahora, e também tem um projeto de rap com o vulgo Irmão Amaro. A Ellen toca bateria com a Lia Clarck. Tudo bem diverso, né? Escutem esses trampos!

7. A baterista Ellen entrou na banda em 2023. Acompanho o trabalho da Ellen de outras bandas e fiquei muito feliz com a notícia de que ela comandaria as baquetas da Hardgainer. Como foi a sua escolha?

A Ellen é foda, como baterista e como pessoa. Certa vez, num período recente pós pandemia, eu estava de bobeira em casa e um amigo me chamou pra colar num cover de JinjerChegando lá, a Ellen era baterista e na hora pensei “caralho que foda, vou ver se essa mina topa tocar na minha banda”, afinal estávamos sem baterista no momento. Eu e mais três pessoas pensaram igual (ela recebeu muitos convites naquele dia). Peguei o contato dela e mandei tudo da banda, ela disse que ia ouvir com calma e me dava uma resposta... Demorou um tempo até a resposta vir, mas ela topou. E todo mundo saiu mais feliz. Foi uma escolha fácil, eu nem chamei outra pessoa, apenas esperei ela dizer que sim.


8. Vocês poderiam falar sobre a minha música favorita do álbum Invisible WallsMissionaries of Hate?

Essa também é uma das minhas favoritas, em breve tocaremos ela ao vivo. Bom, essa música é fruto de tudo que eu observei daquela galera que se veste de verde e amarelo e vai pra Paulista pedir intervenção militar desde 2014, que se diz patriota mas odeia tudo que representa o Brasil, que se considera cristã mas apoia tortura e pena de morte... A música é uma crítica a toda essa racionalidade que trazia o Bolsonaro como salvador da pátria. Eu apenas fiz o que o momento me pediu, peguei a repulsa que sentia e sinto por essas ideias fascistóides e transformei em música. Espero nunca mais “precisar” fazer música sobre essa galera de novo, temos muitos outros problemas para abordar.


9. Deixem um recado para as Metaleiras Negras e os Metaleiros Negros que acompanham a página.

Meu recado é: muito obrigado por chegarem até aqui! Sigam nossa banda nas redes e plataformas digitais para acompanhar as novidades e, se puder, compareça aos nossos shows que eu garanto que o negócio É PESADO.


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