quarta-feira, 22 de abril de 2020

Entrevista - Concreto Armado: rock autoral e independente

Concreto Armado. Foto: Ingrid Maia.

Em mais uma entrevista realizada pela página Metaleiras Negras, vamos conhecer a banda Concreto Armado, que conta com Júlio Brito no vocal, Mayco Rodrigues e Luiz Augusto nas guitarras, Felipe Gonçalves no baixo e Raphael Teixeira na bateria.


1. As letras são em português e possuem uma crítica social muito forte. Qual é a importância de letras em português para uma banda de rock autoral e independente? E por que Concreto Armado?
No nosso caso, o fato das letras serem português é uma condição muito natural. Não faz parte da nossa realidade o domínio de um outro idioma, infelizmente até. Mas a pergunta é interessante, porque traz a dimensão da relação com a identidade da linguagem que a gente quer expressar. É um conteúdo crítico, uma leitura de mundo que apesar de ser um papo reto, também dá margem pra alguma subjetividade, o que torna o resultado do trampo ainda mais interessante. Ser autoral e independente é uma questão de resistência em qualquer contexto e, no nosso caso, ser entendido por pessoas que tão vivendo nesse tempo e falam como a gente é o mais importante.

Concreto Armado é essa analogia a uma estrutura forte, mas não suntuosa, enfeitada. É a tentativa de trazer uma linguagem funcional sem ser simplista. É um tipo de postura perante as coisas em vários aspectos. Concreto Armado remete a uma força imanente, possível e necessária.


2. Como a formação dos integrantes influencia na criação das letras?
Cada um tem uma vivência específica, mas o fato de sermos da mesma geração e morarmos na região metropolitana do RJ aproxima o nosso ponto de vista sobre várias questões. Lógico que não é um pensamento uníssono, o que é ótimo, porém a gente tem um pensamento alinhado num mesmo espectro político. A experiência de viver esse contexto histórico atual dá margem pra muita troca de ideia, assunto e informação, o que ajuda na criação da linguagem do conteúdo da banda e no que a gente quer passar.

3. Vocês lançaram o EP Insustentável em julho de 2019. Atualmente, estão compondo e produzindo um novo EP. Como está sendo o processo de criação das letras diante do cenário político atual?
O cenário político atual tá descortinando coisas tão absurdas da vida política brasileira que é difícil até se localizar, se referenciar, centrar as ideias. Mas assunto num falta, né. O Insustentável foi uma consolidação nossa enquanto banda independente na Cena da região e avaliamos o resultado enquanto muito positivo. O feedback das pessoas foi muito bom e a gente gostou do resultado do produto, apesar de ter sido um processo caótico, com troca de integrantes já no período da produção e tal. Pra esse agora, a gente tem um pouco mais de calma e experiência em termos técnicos mesmo. Em relação as letras tem sido natural. O contexto é calamitoso, o que torna a linguagem ainda mais direta. As letras tão saindo mais curtas, mais diretas e se preocupando em registrar o momento, sem espaço pra muita ambiguidade. No Estado do Rio vários grupos neonazistas tão buscando afirmação e legitimidade, a polícia que sempre matou muito tem cada vez mais respaldo pra continuar fazendo as atrocidades que faz. O governador é um psicopata, um cara desprezível, que acaba representando um bando de desesperados e de desprezíveis. As letras tão saindo nesse sentido. As letras e o som da banda, como um todo. O resultado é que acaba sendo um EP mais direto e mais pesado que o anterior, o que vai agradar algumas pessoas e desagradar outras, porém sair da zona de conforto é sempre estimulante.



Concreto Armado. Foto: Ingrid Maia.
4. Como é a cena rock/metal em Niterói e São Gonçalo? Em quais eventos vocês já tocaram?

São Gonçalo é um município com pouco mais de 1 milhão de pessoas, Niterói tem em torno de 500mil, cada um com sua especificidade, mas pertencentes a região metropolitana de uma metrópole como o Rio de Janeiro. Existe uma potencialidade muito grande nessas cenas, na conjuntura atual. Muita banda boa, uma galera se reunindo pra produzir conteúdo, festivais, audiovisual, estúdios. Em SG tem o Rock n' Beer, que é um bar que toca banda autoral todo domingo, o ano todo, por exemplo. Lógico que isso deveria ser um fato normal, mas no contexto das cenas do Estado do Rio não é já faz alguns anos. Em Niterói tem o Coletivo Guerrilha, que organiza eventos que reúnem música, literatura, fotografia,mida e diversas outras expressões e identidades das subculturas urbanas, tudo isso com um caráter antifascista. A perspectiva é sempre de que melhore, mas a ideia é não tentar se iludir ou projetar alguma coisa muito grande e tal. O importante é trabalhar com o que tem e buscar criar mecanismos de sempre melhorar o que tá fazendo, quantitativa e qualitativamente. Ou seja, fazer as coisas, produzir e buscar melhorar individual e coletivamente, sempre.

Entre 2017 e o início de 2020 nós tocamos em alguns espaços de São Gonçalo, Niterói e Rio de Janeiro. O palco do Rock n' Beer com certeza foi o que a gente mais subiu. São parceiros nossos e fundamentais pra reestruturação da cena local. Tocamos também da Lona Cultural Herbert Vianna, na Maré, no DCE da UFF, no Skate Park em Madureira e na Praça Araribóia, num ato antifascista. Subimos em palcos consagrados da região, como o Bar do Blues, Calabouço, Planet Music e Heavy Duty. Pudemos participar ainda de grandes eventos como o Guerrilha Fest, o Rock Noel, o Festival Rock Metropolitano e o Dia Municipal do Rock na cidade de Niterói.


5. Quais são as referências da banda? E as referências negras?
As referências coletivas são Sepultura, Rage Against, System, Planet Hemp, RDP, alguma coisa do rap. Por outro fazendo um apanhado geral de cada membro da banda, podemos citar como referências Nação Zumbi, Black Alien,Tim Maia, Racionais Mc's, Sabotage, Jorge Ben, Luiz Melodia, Bezerra da Silva, James Brown, Chuck Berry, Minnie Riperton, Bad Brains, Living Colour, William DuVall, Derrick Green, Tupac, Bob Marley, Peter Tosh, Tony Royster Jr. No que diz respeito a forma como enxergamos a realidade, são referências Carlos Mariguella, Milton Santos, Angela Davis e os Panteras Negras, Malcom X, Achille Mbembe, Albert Memmi.

6. Vocês possuem outros projetos além da banda Concreto Armado?
Não, atualmente tudo que a gente tem feito nesse sentido tá canalizado no projeto Concreto Armado.

7. Deixem um recado para as Metaleiras Negras e Metaleiros Negros que acompanham a página.
Pra gente foi um privilégio participar dessa entrevista. A gente acompanha e admira muito o trampo de vocês. É muito importante esse tipo de coletivo, trazendo esse tipo de informação e abrindo o leque de bandas que possuem um diálogo e uma postura frente a cena e ao contexto atual. Continuem firmes e faremos o máximo pra nos mantermos firmes também! A vida segue e a gente tem que seguir e cada vez mais nesse espírito de união e fortalecimento. Tamo junto pro que precisarem e vamo que vamo. Ouçam a Concreto Armado e leiam Metaleiras Negras.


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